domingo, 20 de maio de 2018

Limites Planetários - Vivência Pessoal

O sistema econômico ao qual estamos subordinados não mudou sua essência ao longo dos últimos 5 séculos. No entanto sua forma de atuação foi se morfando conforme o aumento de nível tecnológico, científico e rearranjos políticos - além das escalas de referência. Do ciclo de acumulação de metais ao comercial, passando pela sua fase industrial até chegar ao financismo dos nossos dias [1], o capitalismo foi se transformando de forma a aumentar sua eficiência. Mas esta é apenas considerada no âmbito restrita da lógica do "do ut des" (dou algo que pouco preciso para que tu me dês outro algo que desejo). Ou seja, trata-se de uma eficiência que permeia o mundo - globalidade espaço-temporal - mas que concomitantemente é restrita - localidade conceptual-vivencial. Dessa forma otimiza-se uma esfera da vida (financeira) em detrimento das formas de vida (sistema biosfera) e da Terra (sistema litosfera- atmosfera-hidrosfera), além de inviabilizar o desenvolvimento humano (sistema sócio-politico) necessário para a criação de novas formas de vida, ideias e implementação de políticas públicas mais completas e duradouras.

Combinar três esferas: meio-ambiente (vida e planeta),
sociedade (humanidade) e economia (ferramenta). A interface
entre esses agentes fundamentais são: suportabilidade
(social-ambiental), viabilidade (econômica-ambiental) e
igualdade (economico-social). 
O mais alarmante é que até mesmo seu primo mais próximo, a economia de bens e serviços, se vê enfraquecida por não ser suficientemente "capaz" de acompanhar a criação de valores monetários que se equilibrem à prática de empréstimos à taxas de juros que só estimulam o reforço da ideia de crescimento econômico sem limites [2]. Trata-se de uma problemática simples em sua essência - porém complexa em sua superação - que é a superação do próprio capitalismo como eixo diretor da vida humana. Simples porque o intuitivo vê que o divórcio entre modelos mentais e realidade se dá de forma cristalina - complexo porque as formas de passar essa visão àqueles presos na racionalidade (restrita a partir de certo ponto...que já ultrapassamos) exige uma criatividade fenomenal e uma paciência sem limites. Isso vale tanto para os imersos na falta de instrução quanto àqueles saturados da mesma. 

Instrução sem educação é perigoso, até destrutivo.
Educação sem instrução é melhor, mas insuficiente. 
Educação com instrução é divino.

Instrução vem do conhecimento dos fatos. Vem de saber usá-los a curto prazo, para efeitos tangíveis e restritos a certas visões de mundo (grupos, ideologias, circunstâncias). É reconhecido pelo mundo.

Educação vem da sabedoria da limitação do saber humano, e de saber usar teorias, métodos e ferramentas adequadamente, de modo a se iniciar uma superação: abandonar a inteligência atual (razão) para construir outra, que consiste no resgate os elementos de fé substanciais abandonados no renascimento, sob a ótica da racionalidade. Dessa forma ergue-se a intuição, capaz de realizar as grandes sínteses da vida, na teoria e na vivência.

A degenerescência de nosso modelo econômico consiste em forçar a economia real acompanhar os índices dos empréstimos gerados pelo sistema financeiro. Este último é a economia virtual. 

Rohden esclarece o que é
Educação, no sentido mais amplo.
Todos professores(as devem saber
do que se trata.
Por mais que seja difícil crer, é fato inquestionável que o bem-estar humano está intrinsecamente ligado à questão matéria-energia-vida. Nossa dependência do meio ambiente para construirmos nosso sistema econômico é evidente: extraímos matéria viva (espécies vegetais ou animais) ou minérios, transformamo-los através de uso de energia (conversão de uma forma em outra) uma ou múltiplas vezes, para chegarmos a um produto cujo valor é ditado pelas convenções de mercado. Após o uso desse produto descarta-se o mesmo para o mesmo "depósito" do qual foi retirado: a natureza. No processo todo gera-se resíduos sólidos ou líquidos ou gasosos, cujo tratamento exige injeção de capital - aumentando assim o custo de produção do produto, e consequentemente o lucro obtido de sua comercialização. Assim resta aos detentores dos meios de produção reduzir o que é pago àqueles que trabalham, e simultaneamente ocultar à população como de fato funciona essa lógica. O paradoxo está em gastar-se muito mais com publicidade e propaganda (que em sua essência são meios maquiados e sofisticados de enganar a sociedade) do que ganhar com redução de salários, demissões, retirada de direitos e diminuição de segurança (aos trabalhadores). Em suma: a lógica é contraproducente.

Grande parte do dinheiro em circulação foi criado (realmente) via dívida. Empresta-se R$ 1.000 a um grupo / pessoa. Da devolução cobra-se (por exemplo) 20% de juros. Essa pessoa deve não apenas restituir os mil reais, mas arranjar meios de conseguir outros R$ 200. A depender de seu poder, pode-se aplicar a mesma lógica que lhe foi imposta, gerando um juros sobre outros juros; ou pode-se realizar um trabalho real (que implica num aumento de tempo, energia e conhecimento utilizado) para gerar esse excedente. Dessa forma a pessoa que está no último elo da cadeia - cujo poder de impor taxa de juros aos outros é nula - se vê sem alternativa e deve produzir esse capital excedente sem receber mais salário por isso. Por que? Pelo simples fato de seu poder de barganha ser zero. É pobre, sem instrução, manipulada pelos meios de comunicação e desesperada por sobreviver. 

Dois males são gerados:

1º) Crescimento econômico desvinculado de reais necessidades humanas - atrelados às taxas de juros.

2º) Consequência do anterior, exploração daqueles que menos condições tem de repassar o a obrigação da produção crescente para outros níveis. 

Criam-se os vínculos entre um crescimento virtual (finanças) e outro real (matéria-energia-vida) - ambos exponenciais. Assim arrasta-se a civilização à catástrofe pelo simples fato de nos termos amarrado conceitualmente (e emocionalmente) a um modo de vida insano. Uma orientação avessa às leis da Vida, da Termodinâmica e da Sociedade.

Segundo Daniel Wahl [2], 

"Em 2008, o volume total de bens e serviços produzidos somou US$ 70 trilhões, ao passo que o valor de todos ativos financeiros do mundo atingiu US$ 194 trilhões."

O motivo dessa cisão brutal entre real e virtual (177% a mais) é que os Bancos podem apostar muito mais do que realmente possuem através dessa lógica. O Cassino do banqueiro atual é ideal para os seus fins, pois ao contrário do normal, pode-se apostar muito mais do que se possui em mãos. Isso sem contar que, caso haja algum problema (de cobrança), repassa-se a dívida para aqueles abaixo na pirâmide econômica.  

Redesenhar a vida humana no planeta implica em reformar completamente - até a medula - o sistema econômico e financeiro. Isso leva a pessoa com um mínimo de bom senso a incorporar a 2ª Lei da Termodinâmica e a questão da biodiversidade aos esquemas econômicos, submetendo as atividades produtivas às limitações biofísicas. E que o eixo diretor das atividades humanas não pode ser dívidas e juros, que nos prendem à armadilha do crescimento ilimitado - mesmo que isso nos agrida cada vez mais.

As evidências levam-nos a concluir, sem dúvida, de que nosso sistema monetário transfere riqueza do povo (pobres e maioria da classe média, mais de 95%) para os ricos porque está projetado para isso.

“In Germany in 2004, about one billion Euros found their way from the 80 per cent who work for a living to the ten per cent who sit at the top of the tree.” — Colin Tudge, 2009

"Na Alemanha, em 2004, aproximadamente um bilhão de Euros acharam o caminho para migrar dos 80% que trabalham para viver até os 10% que sentam no topo da árvore."

Gráfico 1: Fluxo de pagamento / recebimento
de juros por nível de renda na Alemanha.
Helmut Creutz (2009).
O pesquisador alemão Helmut Creutz fez uma pesquisa aprofundada [3] e mostrou os fluxos do dinheiro advindo do não-trabalho (juros), que estão sintetizados no gráfico 1, que mostra para onde flui esse dinheiro. Chega-se à conclusão que o intuitivo já percebia: os 10% mais ricos acabam recebendo o dobro do que pagam em juros, ao passo que para os 80% mais pobres a relação se inverte: eles pagam o dobro do que recebem em juros.

Estamos falando da Alemanha, que dentro do paradigma (limitadíssimo) do capitalismo é tido como exemplo de distribuição de renda e país desenvolvido e justo...Se esse estudo for feito no Brasil, creio que os resultados serão mais assombrosos.

É importante que destaquemos que todos esses estudos partem de iniciativas de pessoas que vivem em regimes democráticos (para os padrões mundiais presentes) de economia capitalista. E revelam a ineficácia dos mesmos em solucionar e até mitigar os efeitos. Conclui-se que trata-se de ir às causas se se deseja construir um mundo que continue a caminhar - ainda que oscilando - para o verdadeiro progresso.

O problema é tanto inter-nacional como intra-nacional. Países ricos drenam recursos dos pobres. E dentro de ambos, drena-se recursos dos pobres que chegam aos ricos. A lógica permeia todas as escalas, desde a regional até a global. O vídeo abaixo da OECD mostra a tendência de aumento - e não de diminuição - de desigualdade que está se dando desde (grosso modo) início do século XXI.



Trata-se de uma questão simples: o sistema atual, com sua lógica, é realmente capaz de vencer o desafio da violência urbana, o desespero do indivíduo, a cisão dos povos, a sustentabilidade, a educação integral, a saúde plena, entre outros? Porque a não-honestidade daqui para frente irá custar cada vez mais caro, conduzindo-nos a um estado de paralisia crescente e frustrações insuportáveis- somente contrabalanceadas com doses de brincadeiras e piadas que beiram a estupidez absoluta, nos colocando em pé de igualdade com a vida unicelular que surgiu nesse planeta há mais de 2 bilhões de anos. Eu me pergunto se é isso que realmente queremos.

Almejar a riqueza por si só e o modo de vida que ela induz constitui uma pobreza. A maioria das pessoas pobres - ou que não são imensamente ricas - são ricos frustrados, que se possuíssem o que anseiam praticariam exatamente os mesmos egoísmos daqueles que condenam. Assim o nosso mundo caminha - e não avança.

Deve-se questionar o modo de vida e os sonhos. Queremos possuir mais e mais? Ter automóveis mais caros e potentes (com menos eficiência)? Comer em restaurantes caríssimos comidas de altíssimo impacto ambiental? [4]. Ou talvez ter várias residências, possuindo um objeto para ostentação mas não permitindo a outros ocupar espaços que lhes faltam? Qual a finalidade da vida humana no estágio atual? Como usar os recursos (informação, conhecimento, riquezas, tempo, energia, etc)? Sabemos realmente refletir sobre nossa vida e determinar nosso destino? Ou estamos cada vez mais imersos no separatismo e nas falsidades das aparências agradáveis?

Immanuel Wallerstein dá uma visão do fenômeno que se desdobra desde o Renascimento - gênese do antropocentrismo, que se intensificou e plasmou em capitalismo-centrismo, cuja característica central potencia as más tendências do ser humano [5]. Trata-se de um sistema moribundo que deve ceder lugar a outro. Os anúncios já vieram e continuam vindo. A questão é saber interpretar os fenômenos históricos, seus significados, o desenvolvimento dos conceitos sobre ideias passadas. Tenho dificuldade em ver isso ser feito nos ambientes. Isso me preocupa muito. No entanto faço o que posso com minha vida e forças.

É preciso ser honesto nessa hora. E ser honesto dói - muito. Com os outros e, especialmente, consigo mesmo.

Ou estamos prontos para isso, ou lidamos com as consequências.

Somos livres para semear, mas estamos presos à colheita...

Referências
[1] https://outraspalavras.net/brasil/crises-capital-financeiro-e-democracia-ameacada/
[2] https://medium.com/insurge-intelligence/impacts-of-our-current-money-system-57c1a3628be6
[3] http://www.themoneysyndrome.org/index.php/contents/
[4] https://www.youtube.com/watch?v=VS4dJL5syRA
[5] https://www.youtube.com/watch?v=RqZsCe-tPXo

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