sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

O Cineasta do Evangelho

Existem cineastas que fazem de sua profissão algo único. Elevam suas obras (e sua arte) aos píncaros, fazendo transbordar aspectos universais da vida. O amor humano de um casal, em sua forma masculina e feminina, levado ao limite, fazendo-o se identificar com o amor divino [1]. As histórias iniciam de forma simples, inocente. O espectador é capturado pelos personagens. Seus olhares. Seus ânimos. Seus sonhos verbalizado como planos - que acabam por sofrer desvios abruptos devido às forças do destino, geralmente indesejadas e temidas. Todos aspectos essenciais da vida - aqueles que interessam - vistos de forma cristalina, causando emoção sem necessidade de artificialismos. É pela simplicidade dos sentimentos que se obtêm um ponto de apoio poderoso, capaz de provocar lágrimas de emoção e estado de inspiração.

Conheci o cinema de Frank Capra em minha juventude, nos anos de faculdade. Esse cineasta italiano naturalizado norte-americano conseguiu invocar o espírito do Evangelho em suas obras, sem necessidade de recair em citações religiosas. Ele consegui expor elegantemente a antítese entre as aparências superficiais e a realidade profunda, construindo personagens únicos, dotados de todas as qualidades humanas: vícios e virtudes. E com isso, mostrar, sem descrições, mas com cenas sublimes de amor, esforço e busca infinita num mundo finito, qual é a finalidade da vida. E com isso, qual o biotipo do porvir...
A Mulher faz o Homem (1939).
[Mr. Smith Goes to Washington]

Os filmes de Capra tem algumas características que os tornam interessantes: 
  • O elenco é, em grande parte, o mesmo;
  • O roteiro é bem escrito, leve e balanceia profundidade com capilaridade;
  • Os personagens transmitem o espírito da obra;
  • As músicas inspiram.
James Stewart, o eterno bom moço, sempre faz o papel do mocinho. Seu olhar, sua fisionomia, seus gestos e tom de voz denunciam sua natureza inocente. Em A Mulher faz o Homem (1939) vemos essa bondade imensa se deparando frente à frente com a realidade do senado norte-americano - que muitos aqui no Brasil julgam ser imaculado... - e tendo sua ideia de nação dilacerada a cada golpe. As forças da vida o levaram até lá, e as mesmas irão gerar o ímpeto em prosseguir em sua busca até o final. Há uma clara denúncia do mecanismo que governa as mentes daqueles que possuem o poder. O grande cineasta já falava o que muitos começam a perceber hoje, em pleno século XXI: que o poder privado, de grandes magnatas da imprensa, das finanças e da indústria, dita o comportamento do congresso, do senado, do poder executivo. Nesse filme fica claro quem está nos bastidores das grandes decisões políticas - e como é feito o controle e a maquiagem de políticas (anti-)públicas.

A Felicidade não se Compra (1946)
A Felicidade não se Compra (1946) marca o cume da expressão evangélica dentro da trajetória cinematográfica de Capra. Com esse filme o realizador e sua equipe atingem, juntos, o ápice em todos aspectos. Através de duas vidas que se fundem nós vemos o desdobramento do destino - forjado pela natureza das personalidades que o compartilham. Sentimos o drama dos personagens, suas alegrias, o porquê de suas atitudes. Sentimos na alma o desespero e o esforço na luta por um ideal, interessados em saber o que irá ocorrer. Aqueles em busca de uma realidade mais plena e sincera encontrarão neste filme um elogio ao amor, que possui razões que a própria razão desconhece. Somos arrastados pelo vendaval das circunstâncias e pelo ímpeto dos personagens. Não chorar é dificílimo; não ser tocado, impossível. Para os espíritos com sensibilidade, capta-se a vibração da vida, que se expressa ora furiosamente, através de George (Stewart), ou sutilmente, através de sua esposa, Mary (Donna Reed).

Mas o mais impressionante no filme-mor de Capra é como se revela a mecânica do milagre [2], cuja lógica é completamente desconhecida por nosso mundo, com sua mentalidade dual. A construção do miraculoso se dá sutilmente. Observemos a natureza de seu personagem principal. Sua trajetória (história), sua intenção (boa) e ousadia (inteligente) são ímpares em seu meio. Seu pai tem princípios e vida reta. A casa de sua família é um ambiente de liberdade e simboliza a fartura do equilíbrio. Nada falta, nem nada é desperdiçado. O mais adquire característica de qualidade, não de quantidade., sendo forjado através de uma construção sólida de amor, sinceridade e ímpeto pelo ideal. O menos é representado por se possuir condições e não impedir o mal de se difundir. Esses elementos começam a permear os olhos do espectador, preenchendo seu coração, que bate as portas de sua mente, fazendo-o ter um apoio, uma fé, no que pode ocorrer. Estamos diante das causas do milagres.

Outras obras tratam igualmente de questões orientadas para uma melhor humanidade. Gary Cooper em O Galante Sr. Deeds (1936) revela outro aspecto humano, menor mas essencial: a incompreensão da simplicidade da vida. Um homem, do nada, herda 20 milhões de dólares (uma verdadeira fortuna na época!) e passa a ser sondado por diversas criaturas da noite para o dia. Isso não o interessa. Percebe-se como a configuração muda em função do que se possui. O que se pensa, como se vê o mundo pouco interessa - a não ser que a mídia possa tirar algum proveito disso. Assim o Senhor Deeds percebe, após uma breve estadia na grande cidade.

Os finais dos filmes de Frank Capra revelam uma vontade ardente de materialização da utopia. São impossíveis, alguém pode afirmar. No entanto já são uma realidade na alma do cineasta - e na de seus espectadores mais ansiosos por se lançar na conquista de uma realidade biológica superior. Os filmes revelam uma vontade íntima, universal, potente, escondida na psique de cada ser humano. Uma vontade que bate incessantemente em nossos corações. Ora sai de nossas bocas na forma de discursos potentes; prosa sublime, harmonias angelicais; teorias transformadoras; atitudes ousadas; ações irrefreáveis; amor infinito; busca infinita num mundo finito...

Referências e comentários:
[1] A Felicidade não se Compra (1946)
[2] http://leonardoleiteoliva.blogspot.com.br/2017/09/mecanica-do-milagre.html

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