quarta-feira, 27 de setembro de 2017

Mecânica do Milagre

"Quem é senhor de seu destino?"

Assim grita a voz silenciosa do cosmos, no íntimo de cada um. Pouquíssimos a escutam. Alguns, ao escutarem, se fazem perplexos e sentem-se desnudados diante de tal pergunta. Uma questão aparentemente insolúvel, porém fundamental.

A mão não se estende pedindo. Ela se estende buscando
iluminação. A intenção pura é o maior poder que existe.
O mundo não compreende...
A vida se apresenta diante de nós com suas leis férreas. Uma vez determinada nossa trajetória-mor,  por nós mesmos ou pelas forças do sistema que nos rege, parece-nos impossível alterar o curso dos acontecimentos sem que nos coloquemos numa região de altíssimo risco, cujo resultado fatalmente nos conduzirá a um estado de fragmentação material, colimando numa exclusão social e econômica, além de abalos psicológicos profundos. Eis os motivos centrais que levam a imensa maioria da humanidade a aceitar as condições que lhe são impostas pelas forças do mundo, sem ao menos se perguntar o porquê de tudo isso e se existe alguma possibilidade de escape - mesmo que em outro plano. Nos deparamos com a triste impossibilidade de alterarmos nossa rota e com isso moldamos nossa mente para nos habituarmos a tal destino. Muitas vezes contra nossa íntima natureza. Abortamos planos, murchamos expectativas, nulificamos possibilidades...

Somente quem vivenciou um fenômeno supra-normal à fundo pode tentar descrevê-lo. Quem nunca amou não pode escrever ou falar sobre o amor; quem não praticou não pode explicar como se faz no concreto; quem não sofreu não pode falar das vantagens de sofrer; quem não ousou não fica aberto a novas formas de vida. Dessa forma, os únicos relatos cujas palavras são carregadas de força transformadora, capazes de ressoar nos milênios e nos espaços, sendo absorvidos no íntimo de almas sedentas pela superação, são aqueles que são um transbordamento da vivência íntima e intensa de uma alma desesperada por compreensão dos porquês dos destinos. Nos encontramos diante dos últimos problemas do Ser. 

Abbé Pierre, Sacerdote francês. Criou o
Movimento Emaús, associação que salva
milhões de privações diversas. Seus
conceitos de Deus estavam acima das
formalidades humanas.
O Evangelho é por excelência um dos livros sacros da humanidade. Juntamente com o Bhagavad Gita e o Tao Te Ching, temos a quintessência dos ensinamentos morais, sempre atuais, com interpretações cada vez mais coerentes com a realidade material-racional que nos permeia. Cada conceito traduzido em palavras já constitui uma degradação. O processo de pensar num ideal requer que você o degrade, trazendo algo do plano intuitivo-sintético (3ª dimensão conceptual) para o plano racional-analítico (2ª dimensão conceptual); depois, ao passarmos para palavras, sistematizando-o, há ainda uma outra distorção que, por menor que seja, irá rebaixar o alto conceito. Apesar disso, não há outro modo de trazer e difundir os conceitos mais fantásticos. Conceitos que amparam a humanidade, servem de guia, inspiram e orientam nos momentos mais tenebrosos. A Ciência faz esforços tremendos em descobrir novas leis, ampliá-las, atualizar outras e criar novos métodos e ferramentas para experimentações e teorizações. No entanto, falta-lhe uma coisa, sem a qual ela jamais dará um passo substancial à frente: o método inspirativo

Descobrir por vias interiores será a nova forma de criar ideias mais elevadas. Nosso mundo clama por um jeito completamente diverso de se conceber a vida, as relações, de se trabalhar e pesquisar. No íntimo, o ser humano é incapaz de negar tal anseio. É um desespero existencial cada vez mais irrefreável. Qualquer um que sustente e incorpore em sua vida esse anelo estará criando uma terreno sólido pela frente. O mundo não o suportará por vontade própria. Mas outras forças, existentes mas ignoradas pela imensa maioria da humanidade, irão garantir que este mundo sirva de meio para lhe garantir todas as necessidades materiais - e afetivas. A partir daí engrenagens metafísicas são acionadas, cujo poder engloba todos os poderes do mundo, indo muito além. Não fazem uso da força nem do ruído; nem do número; nem do dinheiro. Apenas guiam pelo pensamento. Estamos diante das forças mais poderosas que alguém pode conceber. Colocar-se contra elas é uma violação da Lei que acarretará num destino penoso, em que toda dívida deverá ser saldada, até o último cêntimo. Por outro lado, colocar-se obediente a elas colocará a criatura sob o amparo da Lei - tanto maior será este amparo quanto maior obediência, vontade e sinceridade o Ser demonstrar. Estamos diante do fenômeno mais fascinante e intrigante da humanidade: a mecânica dos milagres.

Teilhard de Chardin. Padre paleontólogo
que percebeu no monismo a mais
profunda aproximação de Deus. Sofreu
por causa disso, sendo incompreendido
pelo mundo. 
Somente nos damos conta do fenômeno após ele ter se realizado. Olha-se para trás e começa a se ver o quão grande foi o abismo que superamos. Todas as leis conhecidas do mundo não explicam de forma convincente o que se deu. E o mundo, nu e impotente diante de tais mistérios, diz: "foi sorte!". Diz que as probabilidades eram baixíssimas, quase nulas, praticamente nulas, mas se aconteceu, foi sorte - se para benefício - ou azar - para malefício. O mundo não explica, apenas exclama, e assim permanece incapaz de avançar no conhecimento de novas leis, mais poderosas que todas as que se conhecem até o momento. Leis que superam aquelas da materialidade e da vida; leis que superam as pobres tentativas humanas de estabelecer um corpo jurídico eficaz; leis do campo moral. 

O Ser que reconhece a impossibilidade de ter realizado o feito sozinho dá o primeiro passo que um dia deverá ser dado em proporções massivas, de coletividade, para o efetivo progresso das civilizações. Abre-se a mente para a existência de forças vindas de regiões do imponderável. O Ser é invadido de espanto à princípio. Depois, preenchido de gratidão. Mais tarde poderá começar a conduzir sua vida de modo diverso, mais quieto, mais concentrado, mais orientado...É uma obrigação passar ao mundo as palavras sendo ditas há milênios pelo Gita, pelo Tao, pelo Evangelho e outras escrituras sagradas. O Evangelho não é um belo escrito irrealizável na vida cotidiana. Ele contém os preceitos que, se seguidos com toda a intensidade, sem nenhuma expectativa, irão acionar forças tão poderosas que o mundo, tão cego ao Alto, tão concentrado nas miudezas da eficiência material, monetária e seus afazeres alienantes (em sua maioria), irá classificá-las como conto-de-fadas. Como coisa inexistente. Sonho de utópicos. Sonhos perigosos. 

O homem moderno considera louco aquele que leva a sério os ensinamentos sagrados. Para a mentalidade hodierna, trata-se de escritos completamente desacoplados da vida concreta. Nem sequer se crê que a longa marcha da humanidade é caminhar para esse ideal. Mas o desdobrar da "realidade" inexoravelmente nos conduzirá a uma forma de vida muito mais próxima ao que todos veem como ideal. O mundo passa justamente por essa fase destrutiva para se purificar, eliminando todas imbecilidades que estão impedindo o trabalho do espírito. Deus imanente se manifesta cada vez mais concretamente. Através de espíritos iluminados da atualidade (Abbé Pierre, Gandhi, Ubaldi, Rohden, Madre Tereza, T. de Chardin,...) ele se faz mais compreensível pela ciência, mais aceito pelos sinceros, mais atraente para os céticos, menos temível para os negadores. É uma concepção tão fantástica que deverá abrir fendas que iluminarão caminhos desconhecidos de uma humanidade futura, renovada por um grande batismo de dor. Batismo que apenas estraçalha a forma - para revelar a substância. 

Mas voltemos à mecânica do fenômeno. O que é necessário para que se cumpra tal acontecimento? - fantástico para o mundo, natural para Deus e seu emissário-mor, Cristo. 
  1. O primeiro requisito é não agir esperando realizar um feito do tipo. É uma dupla violação, porque primeiro não somos nós que realizamos; e segundo porque a expectativa de fazê-lo demonstra que queremos executar algo, muitas vezes sem nenhuma finalidade;
  2. Deve-se atingir um nível de sofrimento tão profundo que o ser seja obrigado a voltar-se para si mesmo, aceitando humildemente o estado das coisas, mas ao mesmo tempo derrubando uma por uma, com a própria lógica do mundo, as regras que lhe foram impostas;
  3. Após os dois passos, deve-se ainda começar uma atuação guiada não pela mente, mas pelo sentimento elevado, que pode ir em completo desacordo com o modo de agir racional. A única maneira de manter a consciência limpa fazendo isso é a íntima e inexpugnável certeza de que você está fazendo isso pelo bem de seu espírito, que pode ser muito mais útil para seu ser e a coletividade de outras formas. Independentemente das reações e empecilhos do mundo, sua atitude se manterá;
  4. Após ser golpeado duramente, manter um estado de paz inabalável, sincero à sua consciência e aceitando o que ocorreu. Se era tão inaceitável aquela realidade, então qualquer destino se lhe apresentará como uma nova possibilidade, por mais pavoroso que possa parecer o vazio existencial e a exclusão;
  5. Continuar vivendo a vida dentro de suas possibilidades, fazendo uma reflexão profunda sobre o golpe, suas implicações. Dialogando com o interior continuamente, se desnudando diante da realidade do mundo, buscando compreender a finalidade do ocorrido e da sua vida.
Pietro Ubaldi. Indefinível. Portador do
mais elevado conceito de monismo até hoje
(muitos começam a falar de monismo ubaldiano).
Sua visão e vida começam a ser objeto de
interesse de muitos ansiosos por uma renovação.
É importante destacar que o Alto apenas age para aqueles que tem merecimento. Deve-se antes largar as garantias do mundo para que as engrenagens do imponderável comecem a ser acionadas. A atuação é lenta em nosso relativo - mas para Deus o tempo inexiste, pois Ele se encontra acima das barreiras de espaço-tempo, dominando-as por completo - como nós dominamos uma formiguinha com nossos dedos. De fato, foi assim que se deu para o autor. Força e Fé são imprescindíveis. Força inesgotável, Fé inabalável.

O processo de atuação durou 1 ano exato - outro fato interessante. Desde o golpe fatal até a salvação final. Nesse ínterim o autor vivenciou um período de profunda reflexão, trabalho mental contínuo, reposicionamento de conceitos, aprofundamento de ideias. Um misto de alívio e horror constituíam sua psique. Era o período de incertezas extremas. A transição. Nada foi pedido do Alto, jamais. Jamais, jamais, jamais. Apenas buscou-se compreender os fatos. Um colóquio com o Deus imanente. 

As maiores realizações nascem de uma vontade íntima de superação. Um desespero ardente por fazer de forma melhor, adequado às suas habilidades. Uma ousadia fora do comum, que não agride, que encanta, que abraça os fatos do mundo com elegância, mas ao mesmo tempo não os incorpora por completo, deixando uma fenda aberta para o infinito e eterno. É a sede de ser preenchido de forma diversa nesse "pequeno espaço", guardando-o, que faz toda a diferença - e pode levar as pessoas à salvação. Primeiramente uma pequena salvação - como a do autor. Futuramente como A Salvação.

Força e Fé.

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