segunda-feira, 30 de março de 2015

REPETIÇÃO DE DISCURSO

Sim. Observando em aspectos gerais somos seres que repetem discursos. A filósofa Márcia Tiburi reforça essa tese na entrevista concedida à Revista Cult [1]

"As pessoas repetem discursos porque nós somos seres humanos e seres humanos são seres que imitam uns aos outros."

Mas eu iria mais longe, afirmando que seremos realmente autônomos num futuro distante, já que a própria filósofa é capaz de se conscientizar de uma realidade mais real, mais profunda e portanto mais influente e poderosa do que aquela vista por bilhões; e dizendo que em nosso estágio atual, a grande (imensa) maioria de seres de nossa espécie, quando deve expor sua opinião "pessoal", reproduz o discurso vigente ou de algum grupo que sente mais afinidade. Me refiro à essência do discurso. Pode-se dizer que a opinião deste ou daquela é puramente pessoal, mas quando você realizar uma dissecção, removendo todas as formas que a destacam das demais, começará a perceber que (quase) todas opiniões são iguais em sua essência.

Ubaldi afirma frequentemente em diversos volumes de sua Obra o seguinte: o conhecimento nos torna preconceituosos. É fácil compreender isso. Quando adquirimos um saber, uma habilidade, tendemos a nos sentir melhores em relação ao entorno e nosso ego pede por uma recompensa por essa conquista. Normalmente não corremos atrás do saber por amor, mas sim por um instinto de sobrevivência ou desejo de nos sentirmos mais do que os outros. Se adquirimos esse saber ou habilidade, faremos uso errôneo dele, nos satisfazendo com os ganhos proporcionados muito além da medida, e às vezes nos prendendo a ele como se fossemos para uma batalha.

Queremos superar os outros enquanto na verdade deveríamos nos superar.

O resultado é a estagnação. Grupos se formam, compartilhando sua visão relativa, parcial e portanto egoísta. Se ajudam, como uma seita. Isso se dá em todas esferas: corporativa, estatal, religiosa. Cada uma delas se baseia num sistema de valores com normas de conduta e princípios éticos relativos. Formas díspares, essência idêntica. Cada uma reclama superioridade e pureza em relação às outras, vendendo sua imagem de agente de progresso ao povo. E para se fixarem e fortalecerem seus tentáculos, impõem aos seus membros (e a eles mesmos) uma concepção estática do mundo. E tentam aliciar outros poderes, inclusive formando alianças paradoxais.

Márcia Tiburi. Está perto de chegar nas concepções
apresentadas por Ubaldi e Rohden. Mulher crítica,
capaz de transcender o lugar-comum e se manter fiel
a si mesmo- para um dia conhecer a verdade...verdade
que libertará...
Quem vê o nosso universo como um corpo dinâmico dotado de transformismo em diferentes planos dificilmente consegue permanecer muito tempo fiel a um grupo desses. A própria natureza do ser torna o gigante estático econômico-político-religioso refratário a esse pequeno ser físico de grandeza mística. 

Dois desses grupos possuem inúmeros exemplos famosos de "desertores": criaturas que ousaram ir além, semeando em tempos e solos árduos sementes poderosas que num futuro distante se tornaram - ou hão de se tornar - esplendorosas árvores. Teorias, idéias, obras de todos tipos,...E assim, com a determinação férrea de uma elite, a humanidade progride, assimilando os ideais aos poucos. Ensaiando implementações, ora bruscas, ora tímidas. Ajustando, criticando, assimilando, descrendo, voltando a crer,...

O outro gigante estático, jovem e vigoroso, ainda não é encaixado no grupo a que pertence de fato porque muitos veem nele a solução última de todos problemas. Apesar de amplos setores alertarem e diversas evidências virem à tona - cada vez mais - a forma mental humana média sintoniza com esse tipo de ordem e portanto não é capaz sequer de criticá-lá abertamente. Além disso, a autoridade exercida é mais inteligente, induzindo e repetindo (verdades incompletas), iludindo (todos) e tirando liberdades sem exibir tentáculos perceptíveis à média. Privar alguém de um recurso essencial para a vida orgânica somente porque se disse uma verdade construtiva é pior que o pior dos crimes apresentados na televisão. Eis o golias de nossos tempos. Um gigante alçado por um sistema que está se saturando lentamente. E fazendo o psicológico-afetivo de bilhões sangrarem desnecessariamente. É um gigante que enxerga apenas balanços no campo material, pouco se importando com a real necessidade das ascensões humanas. Família, cultura, saúde e sociedade são apenas propagandas. O senhor lucro aprova ou não a inserção dessas preocupações, apenas com o intuito de não sofrer críticas que impeçam o seu funcionamento.

Daqui a mil, dois mil ou mais anos, quem sabe, a realidade dolorosa percebida pelos poucos anormais de hoje se torne um consenso universal.

A dificuldade está em provar a insanidade. Justamente porque chegamos a um grau em que para continuar evoluindo as provas pouco valem. Demonstrações abundam cada vez mais. Nos saturamos de intelectualismo a tal ponto de organizarmos orgias mentais, sem saber a real finalidade desse tipo de habilidade.

Homem bicentenário: o desejo de se tornar humano,
A compreensão suplanta tudo que o mundo atual concebe e conhece, mas tem pouca voz. E ela deve ser atingida individualmente, por conta própria. Eis o problema e a solução.

Por meio do discurso íntimo e dos gestos e exemplos podemos ajudar alguém a caminhar para a porta da consciência. Mas só uma pessoa poderá atravessá-la: a própria pessoa.

Nossa camada mais científica sociedade, do mercado, da tecnologia, vê nos robôs uma superioridade. Não me espanta tal comportamento: os próprios admiradores dos robôs começam a adotar um modo de pensar robótico, algorítmico. Por maior que seja a capacidade de calcular, por maior que seja a performance, por maior que seja a velocidade de repetição e processamento, inexiste o transformismo que carateriza o humano.

Um humano pode ser imperfeito mas é fascinantemente evoluível.
Um robô pode ser brutalmente eficiente mas jamais será algo além do que é.

Mas nós ainda repetimos discursos...

Nos sentimos sozinhos porque não temos a experiência intuitiva de Deus.

Recorremos à aprovação social, aos benefícios materiais do emprego e às compensações sexuais, da mesa, dos vícios e violências para nos sentirmos minimamente decentes.

Por não conceber mais somos incapazes de declarar independência de tudo isso.

Transcender é ser mais amanhã do que ontem. É sentir a tensa emoção do desconforto e viver a intensa alegria de descobrir novos mundos metafísicos - nesse mesmo mundo físico.

É seguir sua consciência e sozinho, baseado em suas experiências e no seu Ser, se lançar em empreitadas tão incertas quanto fascinantes.

Não repitam discursos, não atrasem a sua verdadeira razão-de-ser...
Em troca de algum pedaço de carne humana, de papel com números, de dispositivos e máquinas e aprovações.

No filme Homem Bicentenário [2] o maior sonho de Andrew (o robô) é se tornar humano.

Morrer para poder viver ao máximo...
Deixar as maquinações para viver as idéias...
E um dia - quem sabe - amar.
De verdade...


[1] https://www.youtube.com/watch?v=M75vy0dZ9KA
[2] https://www.youtube.com/watch?v=d0o1etRplPE

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