sábado, 9 de agosto de 2014

A GÊNESE DA VERDADEIRA DEMOCRACIA (ou a mais verdadeira que tivemos até hoje)

Vivemos numa democracia? Existe alguma sociedade democrática? Já houve? Democracia é sair a cada 2 anos e votar, apertando alguns botões (ou escrever num papel)? Democracia se resume a ver alguns debates políticos, ler algumas propostas, e com base nisso – e na opinião “pública” – decidir em quem votar? Democracia é algo que vivenciamos a cada 2 ou 4 anos, pontualmente, e depois deixamos na gaveta e ficamos na expectativa de que o simples apertar de botões faça efeito em nossas vidas? É isso democracia?

O conceito de democracia é muito antigo. Remonta aos gregos antigos. Demo = povo. Cracia = governo. A definição é cristalina: Governo do povo. Trata-se de um ideal. As teorias já foram estabelecidas há 25 séculos. Em detalhe. No entanto, implementar essas teorias - esse ideal - parece tão distante há 2500 anos quanto agora, em plena era tecnológica. Séculos de vivência e conhecimento não foram capazes de estimular a implementação de uma verdadeira democracia.

Democracia implica que todos, independente de sua classe social, etnia, credo, gênero, origem ou profissão tenham VOZ. É participação. É um processo em que todos agem continuamente no dia-a-dia, expondo suas idéias e ideais e sentimentos da forma que melhor lhes convier, num espaço adequado. E que os outros escutem e reflitam sobre o tema. Trata-se de um processo de difícil construção mas sólida edificação. Um processo que deve ser inspirado nas teorias já formuladas e o desejo - sempre presente no íntimo - de construir um mundo melhor. Para nós e aqueles que virão - o país cuja prática mais se aproxima das teorias estabelecidas pelos filósofos gregos se chama Islândia [1].

O povo islandês atuando organicamente: indícios da
nova civilização do terceiro milênio?
Desejar um mundo melhor exige uma MANIFESTAÇÃO de cada ser que tenha esse sentimento. Deixar que uma pessoa com um desejo assim não tenha um recipiente para colocar suas idéias é ignorar os problemas dos indivíduos. Indivíduos que, em seu conjunto, formam a sociedade.

E quando digo ter voz, me refiro a um processo calcado no RESPEITO às diversas opiniões e formas de manifestá-las (há quem se expresse melhor via escrita, símbolos, música, fala, diagramas, etc).

Ter voz não é apenas ter a permissão de falar.
Ter voz é ter seus pensamentos ESCUTADOS, CONSIDERADOS e REFLETIDOS e (se convier) ACATADOS pelos outros. Não precisa ser todo mundo, mas uma gama de pessoas com interesses específicos em comum. Relacionados direta ou indiretamente. E isso demanda uma certa dose de sensibilidade.

Mas nem mesmo considerando o simples, veloz e quase mecânico pressionar de botões, podemos afirmar que vivemos numa sociedade democrática. No Brasil e no mundo.

É fato que o povo das democracias ocidentais possuam mais voz do que países com governos ditatoriais. Por outro lado, muitos desses países com aparatos autoritários chegaram - ou se mantiveram - nesse estado graças a intervenções externas. Interferências geralmente oriundas de países que hoje são exemplos de democracia – tem um grande país que se autointitula “a maior democracia do planeta” que apoiou mais de 50 golpes de estado desde o fim da 2a guerra...

É interessante. Parece que a democracia de um povo em muitos casos se forja às custas da submissão de outro (mais pobre) a um governo ditatorial. Pode não ser uma relação direta, mas a correlação se faz presente em muitos casos. Em maior ou menor grau. Apoiar ditaduras em "defesa" da democracia. Discurso comum. Discurso manjado. Porque supostamente o povo do país “ameaçado” não quer que as coisas “desandem”. A intervenção é justificada por uma série de meios de comunicação “imparciais” e um exército de “experts” com as palavras na ponta da língua.

Creio que o povo que tenha dado um passo importante (e ousado!) rumo a uma democracia direta – a democracia em sua plenitude – foi o islandês. A magnitude criativa do acontecimento é inversamente proporcional à sua propagação pelos meios de comunicação brasileiros (e do mundo, talvez)*.

Revolução insignificante para a mídia. Insignificante por
ser a aplicação do que ela tanto prega e pouco aplica?
Apesar de ser um país repleto de particularidades que facilitem uma articulação efetiva do povo (pouca população, povo instruído, homogeneidade e tempo livre...para pensar) a Islândia – ou melhor, seu povo – revela uma vontade presente de modo pulverizado em indivíduos ao redor do globo: a de serem representados por seus governos e (consequentemente) impedir o avanço funesto de corporações que só visam satisfazer “necessidades” do mercado.

Muitas pessoas, crentes que vivemos numa era pós-ideológica, – ou seja, que creem que o sistema político-econômico atual não é passível de transformação, porque é julgado perfeito – podem afirmar que a Islândia, com sua atitude, causou instabilidades no mundo (pobres banqueiros!).

Sobre isso tenho quatro coisas a dizer:

  1. A Islândia possui apenas 320 mil habitantes, o que pode reforçar o argumento de que transformações desse tipo só são possíveis em sociedades do tipo. No entanto, exceto pela sua população diminuta, a Islândia tem instituições e organizações estruturadas como em qualquer outro país, revelando uma identidade com o resto do mundo. Além disso, devemos nos lembrar que muitas políticas ou experimentos sociais (ou científicos), antes de serem implementados em larga escala, tem um projeto-piloto (ou são testadas em laboratório). Para essa expansão (micro → macro) é necessária uma criatividade política. O impressionante é que nenhuma discussão nesse sentido foi ou é feita ao redor do mundo. Simplesmente assistimos passivos dizendo “que bonito” ou “que radical” ou frases que logo caem no esquecimento;
  1. Existe um mantra neoliberal que seduziu (ou convenceu) grande parcela das pessoas ao redor do mundo – muitas delas, infelizmente, pós-graduadas... – que afirma que um país ou pessoa sempre deve pagar as dívidas. Até aí tudo bem. O único detalhe é que geralmente esse ensinamento é (ou não) lembrado em situações bizarras como:
(a) quando se pede para um povo pagar por um GASTO QUE ELE NÃO
CONTRAIU, via Estado, em forma de contenção de gastos sociais, para que uma
empresa (obteve recursos de forma ilícita) não quebrar;

(b) quando uma corporação (industrial ou financeira) drena recursos ou explora mão-de-obra
de uma localidade ilegalmente (ou “legalmente”, via influência econômica sobre
governos passíveis de corrupção), causa males ambientais e não se responsabiliza pelos
mesmos. Em suma: não paga o que deve (reparação do mal feito).
  1. Mesmo assumindo que a dívida islandesa fosse justa (o que significa que o povo tivesse captado diretamente recursos dos bancos ingleses e holandeses), sabe-se cada vez mais que uma pessoa com uma dívida muitas vezes superior a sua renda será incapaz de pagá-la e se recuperar. Anula-se assim qualquer possibilidade de ter uma pessoa ou povo em condições de gerar bem-estar e se desenvolver em todas vertentes. É anti-cristão (Jesus perdoou as dívidas...) e incompatível com as próprias leis econômicas. Só quem é cego mental não enxerga a incompatibilidade das políticas de austeridade com o progresso econômico e social do globo;
  1. Mudar o sistema político vigente sempre implica em causar instabilidades. E convenhamos, não gostamos de instabilidades. Mas nesses momentos vale recorrermos aos livros de História. Toda instabilidade gerou mudanças de paradigmas a médio e longo prazo. Aliás, como tudo está relacionado, e o mercado é um fio condutor que na sua liberdade controla tudo e todos, qualquer tentativa local de reformular um modo de vida irá abalar a constelação global. Como uma onda. Isso NÃO SIGNIFICA que essa iniciativa seja ruim. Muito pelo contrário: ruim é a mentalidade predominante engessada que se julga dinâmica.
Poder para o povo, aos poucos, continuamente, firmemente.
A democracia direta é tão mais um ideal enquanto as mentes permanecerem em seu estado de conforto e submissão. E cada vez menos ideal (no bom sentido) e mais próxima do real para as mentes que tem coragem de dizer o que pensam. E conseguem conceber uma organização coletiva mais orgânica e fraterna.

Podemos começar a construir um mundo melhor simplesmente colocando certos assuntos em pauta. Assuntos pouco comentados em sua essência.

É um começo simples.

E poderoso...


* https://www.youtube.com/watch?v=um02I6Fkv2s


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