domingo, 30 de março de 2014

Trecho do livro "O Elogio ao Ócio"*, de Bertrand Russell**, páginas 29 a 31 (parte 4)


 Parte 4

Devido à total ausência de controle central sobre a produção, produzimos uma imensa quantidade de coisas de que não precisamos. Mantemos ociosa uma parcela considerável da população trabalhadora, que se torna dispensável justamente porque se impõe o sobretrabalho à outra parcela. Quando esse método se revela inadequado, fazemos a guerra: colocamos um monte de gente para fabricar explosivos e outro tanto para explodi-los, tal como crianças que acabaram de descobrir os fogos de artifício. Combinando todos esses mecanismos, somos capazes, ainda que que com alguma dificuldade de manter viva a noção de que uma grande quantidade de trabalho manual é o quinhão inevitável do homem comum.



Movimentar a matéria em quantidades necessárias à nossa existência não é, decididamente, um dos objetivos da vida humana. Se fosse, teríamos de considerar qualquer operador de britadeira superior a Shakespeare. Fomos enganados nessa questão por dois motivos. Um é a necessidade de manter os pobres aplacados, o que levou os ricos a pregarem, durante milhares de anos, a dignidade do trabalho, enquanto tratavam de se manter indignos a respeito do mesmo assunto. O outro são os novos prazeres do maquinismo, que nos delicia com as espantosas transformações que podemos produzir na superfície da Terra. Nenhum desses motivos exerce um especial fascínio sobre o verdadeiro trabalhador. Se lhe perguntarmos qual é a melhor parte de sua vida, ele dificilmente responderá: 'É o trabalho manual, que sinto como a realização da mais nobre das tarefas humanas, e também porque fico feliz em pensar na capacidade que tem o homem de transformar o planeta. É verdade que meu corpo precisa de horas de descanso, que procuro preencher da melhor forma, mas meu maior prazer é ver raiar o dia para poder voltar ao trabalho, que é a fonte da minha felicidade.' Nunca ouvi nada do gênero saindo da boca de nenhum trabalhador. Eles encaram o trabalho como deve ser encarado, uma forma de ganhar a vida, e é do lazer que retiram, aí sim, a felicidade que a vida lhes permite desfrutar.”


Interpretação
 
Devido à total ausência de controle central sobre a produção, produzimos uma imensa quantidade de coisas de que não precisamos.”
 
Acredito que entrando num shopping ou visitando os centros decadentes de muitas cidades (atingidas pelo consumismo) a frase encaixe perfeitamente - sem mais comentários.

Movimentar a matéria em quantidades necessárias à nossa existência não é, decididamente, um dos objetivos da vida humana.”

Alguém acredita que a finalidade da existência é pura, simplesmete (e apenas) ter moradia, comida, bebida, transporte e saúde? Não quero dizer com isso que a distribuição deva ocorrer. Apenas quero dizer que, uma vez que todo ser humano tenha o necessário para a subsistência digna, existe oceano de profundeza abissal para ser desvendado. Um oceano intelectual, moral, espiritual.

Um é a necessidade de manter os pobres aplacados, o que levou os ricos a pregarem, durante milhares de anos, a dignidade do trabalho, enquanto tratavam de se manter indignos a respeito do mesmo assunto.”

Essa frase demonstra que quem mais prega menos pratica. É a sociedade da forma em detrimento do conteúdo.

Nunca ouvi nada do gênero saindo da boca de nenhum trabalhador. Eles encaram o trabalho como deve ser encarado, uma forma de ganhar a vida, e é do lazer que retiram, aí sim, a felicidade que a vida lhes permite desfrutar.”

As pessoas tem medo de falar ou concordar com a afirmativa acima por uma simples razão: vivemos numa DITADURA PULVERIZADA, que vigia, controla e registra cada ato e pensamento dos indivíduos. A própria sociedade adotou esse modo de vida, poupando o esforço das autoridades em manter o consumo enfermo e as relações mercantilistas a todo vapor. 

 















(continua...)


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